Hoje celebramos a data em que o Código Eleitoral passou a prever o direito ao voto sem distinção de sexo, conforme o Decreto 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, o marco do reconhecimento do direito ao voto feminino e ponto de partida para diversas outras demandas relacionadas à igualdade na participação política. No entanto, 90 anos se passaram e a igualdade de representação ainda está longe de ser uma realidade.
Ainda assim, houve muitas mulheres brasileiras que lutaram pelo reconhecimento do direito ao voto, atuando dentro e fora da arena política em busca de uma justiça representativa. É importante honrar a história dessas mulheres, celebrando a memória e legado que deixaram, começando pelas sufragistas e pelas primeiras a assumirem cargos legislativos.
Bertha Lutz (1894-1976) foi a grande referência do movimento sufragista brasileiro. A bióloga liderou a Liga pela Emancipação Intelectual da Mulher (LEIM), fundada em 1920, em Brasília.
Carlota Pereira de Queiroz (1892-1982) foi a primeira Deputada Federal eleita no Brasil, em 1933, sendo a única mulher entre 214 parlamentares.
Antonieta de Barros (1901-1952) era jornalista e foi a primeira Deputada Estadual eleita em Santa Catarina, em 1934. Muito antes, em 1922, fundou o jornal “A Semana”, veículo em que se pronunciava contra a discriminação de gênero e racial. Além disso, foi um projeto de lei de sua autoria que instituiu formalmente o Dia do Professor, celebrado em 15 de outubro.
Laudelina de Campos Melo (1904-1991) foi pioneira no ativismo pelos direitos das empregadas domésticas. Em 1936 fundou a primeira Associação de Trabalhadores Domésticos do Brasil, e sua atuação foi o embrião do primeiro reconhecimento de direitos dessa categoria profissional, que aconteceu somente em 1972. Apesar de Laudelina não ter ocupado nenhum cargo legislativo, sua militância marcou a história política do país.
Por isso, quando falamos de participação de mulheres na política, não falamos apenas de direito ao voto e de cargos eletivos, mas também de movimentos sociais por reivindicação de direitos e liberdades.
No Brasil, movimentos organizados de mulheres tiveram grande importância na luta pela redemocratização durante a ditadura militar (1964-1985).
As mulheres participaram de movimentos de resistência e enfrentamento à ditadura em todas as frentes, e tiveram um papel central na pressão que levou ao enfraquecimento e ao fim do período conhecido como “anos de chumbo” no Brasil.
A Frente de Mulheres Feministas (FMF), por exemplo, foi uma referência na luta pela democracia e ampliação de direitos políticos e civis no Brasil na década de 1970. O movimento era um grupo de apoio a diversas minorias oprimidas, havendo acolhido e protegido perseguidos políticos à época.
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Therezinha Zerbini (1928-2015) foi a jornalista que fundou o jornal Brasil Mulher, em 1975. Ela aproveitou o Ano Internacional da Mulher, organizado pela ONU, que tinha como bandeiras a igualdade, a paz o desenvolvimento, e trouxe a demanda por anistia como necessária para os direitos humanos e para a concretização do objetivo de paz. Ela também criou o Movimento Feminino pela Anistia, que foi fundamental na luta pela redemocratização do país, e levou à edição da Lei de Anistia no Brasil (Lei n.º 6.683/1979).
Essa lei hoje representa uma grande pedra no sapato da democracia no país, pois ainda está em vigor e abrange os crimes cometidos pelos militares. No entanto, representou uma vitória naquele período, pois possibilitou o retorno de exilados, a libertação de presos políticos e a volta ao convívio social de militantes que estavam na clandestinidade por serem perseguidos. Independente da disputa de significados da Lei de Anistia, o fato é que a militância feminina e feminista abriu caminho para a volta da democracia ao país.
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Ainda na década de 1980 foram criados conselhos estaduais e o Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres, que articulou ações de participação de movimentos de mulheres na constituinte. Ao final de 1986 aconteceu o Encontro Nacional Mulher e Constituinte, na Câmara dos Deputados, e foi aprovada então a “Carta das mulheres aos constituintes”, documento que continha as demandas encampadas naquele momento, com seis eixos de reivindicações específicas: família, trabalho, saúde, educação e cultura, violência, questões nacionais e internacionais.
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Na Assembleia Nacional Constituinte, entre os 559 parlamentares eleitos, 26 eram mulheres, e tal composição foi pejorativamente designada pela mídia como “Lobby do Batom”. No entanto, elas se apropriaram do termo como uma maneira de afirmar sua presença naquele espaço predominantemente masculino.
As congressistas eram alvo de comentários machistas e preconceituosos, pois enquanto os parlamentares eram questionados sobre seus projetos, as perguntas direcionadas a elas eram sobre qual perfume estavam usando ou a marca da roupa que estavam vestindo, numa tentativa de minimizar a importância de suas propostas para a elaboração do texto constitucional. A cobertura da constituinte estava mais preocupada com a aparência das parlamentares, em eleger uma “musa”, do que em ouvir as suas importantes contribuições.
O trabalho desenvolvido pelas parlamentares teve grande impacto na redação final da Constituição promulgada em 1988, não só com o dispositivo de igualdade de gênero inscrito no artigo 5º, inciso I (“homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”), mas também com a afirmação de garantias fundamentais relativas à saúde pública universal, à valorização e proteção da cultura, à proteção ao meio ambiente e à reforma agrária, por exemplo.
Evidencia-se, desde os movimentos por anistia até a participação na elaboração da Constituição, que as demandas de mulheres e de movimentos feministas são demandas sociais, e não de um grupo específico, beneficiando a sociedade de maneira geral.
Hoje faz 90 anos que nós, mulheres, podemos votar. Sem dúvida, uma data a comemorar. Mas também há muito o que reivindicar quanto à participação política feminina.
Apesar da importância da participação das mulheres no âmbito político, tanto nos movimentos sufragistas como nos processos de reivindicação pela democracia, dentro do Poder Constituinte e ocupando cargos eletivos, essa atuação foi e ainda é muito mais qualitativa do que quantitativa. Isso porque a presença de mulheres nas casas legislativas está muito distante de ser igualitária, e os índices de representação são ainda mais reduzidos quando se faz o recorte interseccional de raça, classe e orientação sexual, por exemplo.
No Poder Legislativo Federal, nas eleições de 2018 foram eleitas 77 Deputadas Federais, totalizando 15% de representação na Câmara dos Deputados, e 7 Senadoras, sendo a representação feminina no Senado de 8,6%. Das 84 parlamentares eleitas, 13 são mulheres negras, e apenas uma é indígena. O Brasil está na 142ª posição no ranking mundial de percentual de mulheres ocupando cargos no parlamento, segundo dados de 2021.
Além disso, e ainda mais grave, são as diversas formas de violência a que mulheres na política (seja ou não em cargos eletivos) estão diariamente submetidas. Desde atos de violência simbólica, como interrupções e descrédito, assédio moral e sexual, chegando até às formas mais atrozes de aniquilação.
Por isso, nossa homenagem de hoje é a Marielle Franco, vereadora eleita na cidade do Rio de Janeiro em 2016, com 46.502 votos. Marielle lutou por uma sociedade mais justa, foi ativista de direitos humanos e sua militância era em defesa da justiça social, da valorização da mulher, da comunidade negra e da população LGBTQIA+, além do combate à pobreza e à violência nas favelas.
Foi brutalmente executada em 14 de março de 2018, há quase 4 anos. E ainda perguntamos: quem matou e quem mandou matar Marielle? E por quê? Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem
Sua memória deve ser honrada por tudo o que Marielle representa.
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